Fiz, anos atrás, uma viagem ao estado Havaí, em que conheci várias pessoas. Dentre elas, um homem de mais ou menos 47 anos, com cabelos castanho claro e liso, alto e forte. Não muito atraente. Tinha um semblante triste e me parecia distraído quase sempre. Nunca falava com ninguém mais do que o necessário, embora eu tenha o ouvido sussurrar coisas incompreensíveis, algumas vezes.
A viagem foi muito agradável, me senti por vezes no seriado Eu, a Patroa e as Crianças, pois onde chegávamos, recebíamos aqueles colares havaianos que todos conhecem. Honolulu era engraçada, não só pelo nome, mas pelos seus habitantes e pelos turistas nada normais que ficaram na mesma casa que eu.
Mas daquele homem, descobri, que se chamava Luis de Almeida, que perdera o amor e o emprego abandonara. Sempre consultava um caderninho com capa azul e jamais o vi escrevendo algo ali, embora andasse com um lápis na mão. Passei então, a prestar muita atenção em Seu Luís. Ele era muito misterioso e nunca demonstrava entusiasmo nos passeios e em nenhum lugar que íamos. E sim, ele ia em todos os lugares, sempre com seu caderninho azul e seu lápis.
A viagem era de um mês, e já fazia quase quinze dias quando o caderninho do Seu Luis sumiu. Percebi, então que aquele homem despertava curiosidade em tantas outras pessoas, além de mim ― me senti melhor. E essa foi a primeira vez em que ouvi sua voz claramente em palavras que diziam: "Alguém viu meu caderninho azul, que possui escrito na capa 'endereços'?" Seu semblante subitamente mudou e aquilo já estava começando a ficar verdadeiramente divertido.
Começou uma busca incansável em todos os cômodos da casa. Não houve um só canto que não tenha sido vasculhado, a ponto de causar dor nas costas. Não fomos à praia nesse dia, tampouco saímos para nosso passeio no crepúsculo. Revisamos a cena inúmeras vezes desde o último momento em que Seu Luís estivera com seu "pobre caderninho", como costumava tediantemente repetir.
Não achamos. De forma alguma achamos. Desejei por vezes ter um google que achasse coisas perdidas na casa. Esse desejo também não foi atendido.
A noite chegou e deu-se por encerrada as buscas ― sim, foi quase um drama policial. Seu Luís estava arrasado, e eu que fui a mais dedicada CSI daquele dia, resolvi ficar em casa e fazer companhia a ele, que essa hora já não queria mais está ali. Cozinhei um macarrão instantâneo para mim e para Seu Luís como forma de aproximação. Ele aceitou e eu percebi de imediato sua gratidão. Foi esse o momento exato para eu perguntar tudo o que eu queria tanto saber. Disse-me então:
― Há 20 anos, fiz uma viagem ao Havaí. Uma viagem com meus amigos, em que teria muita bebida, festa e mulher bonita. As coisas, na verdade, não eram tão liberais como nos dia de hoje, minha cara, mas nós também sabiamos nos divertir. ― papo de velho, pensei. ― Depois do Havaí, iríamos para Las Vegas, que desde essa época já tinha a perversão de seus cassinos e suas noitadas a flor da pele. Mas conheci Kailina Cafene, uma jovem mulher de apenas 20 anos, linda, de olhos verdes e pele morena cor do Havaí.
― Meus amigos prosseguiram na viagem, e eu fiquei em Honolulu por mais dois meses de um romance inesgotavelmente doce e ensolarado. Mas precisei voltar para casa, minha vida profissional ainda estava começando e eu não podia ficar. Fizemos promessas de amor, planejamos todo o nosso futuro e até uma viagem que Kailina faria ao Brasil meses depois da minha partida. ― uma longa pausa foi feita, e prosseguiu:
― Mas tudo o que restou foi saudade e meu caderninho azul. Nele, eu tinha escrito exatamente na letra K o endereço de Kailine. Ele era a única esperança que eu ainda tinha nela e na vida. Eu ainda sei o endereço, pois o decorei, mas essa história já está longe de ter um final feliz, porque sei que Kailine, hoje, talvez esteja bem longe daqui.
Não entendi o "daqui", mas percebi que a conversa havia acabado. Tratei de procurar algo para beber, pois precisava engolir o fato de as coisas serem assim mesmo, e a vida ser cruel com a gente. Ou com quem deixa que isso aconteça. Fiquei sabendo que Seu Luís publicou no jornal de Honolulu uma nota que dava falta do seu caderninho, uma nota muito dramática, diga-se de passagem. E caso alguém esteja interessado, eu posso lhes enviar a nota. Em todo caso, eu já não queria mais fazer parte daquela história. E ainda acredito que ele jamais tenha encontrado o que gastou sua vida inteira procurando. Um caderninho azul.
Meu aloha pra vocês, queridos leitores. R